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Entrevista com a Dra. Tárcia Dutra sobre bem-estar emocional dos profissionais de saúde durante a epidemia de COVID-19
25 de março de 2020

Dra. Tárcia Dutra

A pandemia de COVID-19 pode afetar a saúde física e mental do profissional de saúde. O número crescente de casos suspeitos e confirmados pode levar a sobrecarga e ao estresse no ambiente de trabalho.

A psicóloga e coordenadora do Departamento de Psicologia da Somiti – Tárcia Dutra* – concede uma entrevista sobre os riscos para a saúde mental do profissional da saúde. Ela indica quando o profissional de saúde deve procurar ajuda e dá dicas de como manter a mente descansada e apta para o trabalho.

 

Qual (is) o (s) principal (is) risco (s) a que o profissional de saúde que está enfrentando a pandemia de COVID-19 está sujeito?

 

Pouco se fala da condição de vulnerabilidade dos profissionais de saúde. Eles estão diante de um risco real. Estão expostos à sobrecarga, falta de material de proteção individual, risco de contaminação pelo vírus que tem um alto poder de contaminação. Podem ficar angustiados e sobrecarregados ante ao inesperado das demandas na atenção ao paciente, medo de levar para casa o vírus e contaminar a família. Receio de ser acusado por levar a contaminação aos entes queridos. Medo de adoecer e morrer. É preciso considerar que quem escolheu estar nessa linha de frente também tem características pessoais que pode ajudar na autoestima, realização, de emoção positiva por estar fazendo “o bem” (altruísmo). Os treinamentos ou orientações no uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) devem ser reiteradas vezes discutidos. Tudo pode ser gerador de estresse laboral. A própria situação da pandemia é marcada pela incerteza, impacto na economia, nas perdas econômicas individuais e coletivas. Para o profissional de saúde a vivência do estresse pode ser maior.

 

O que os gestores de hospitais e unidades de saúde podem fazer para evitar que os profissionais de saúde – principalmente os que trabalham em UTIs – fiquem sobrecarregados?

 

Os gestores estão sob pressão. E, dentro desse contexto do coronavírus, eles precisam estar atentos ao cumprimento da carga horária sem excesso, incentivar rotatividade em tarefas que possam reduzir o impacto do estresse nos colaboradores, alternando momentos de tarefas “pesadas” com outras mais amenas. Precisam saber se os profissionais estão descansando de forma apropriada para recuperação da energia e, sempre que possível, estimular momentos de relaxamento e descanso, bem como de incentivos a atividades físicas.

No ambiente laboral, faz-se necessário criar espaços para reflexão, expressão de sentimentos, preocupações, bem como de solidariedade, a gratidão, empatia. Estimular linhas de pensamento, nas quais as pessoas podem se implicar e reconhecer a importância do seu fazer como totalmente seu e a potencialidade de se auto cuidar. O gestor precisa elevar a “moral” da equipe.

Para os gestores, o Departamento de Psicologia da AMIB emitiu um documento chamado: “Recomendações para o bem-estar emocional da equipe multidisciplinar durante a pandemia pelo Sars-Cov-2: pelo Departamento de Psicologia da AMIB” que pode ajudá-los a estabelecer fluxos para gerenciar as equipes e manejar as dificuldades de relacionamentos interpessoais e cultivar a solidariedade, a camaradagem.

 

No caso de excesso de horas trabalhadas, ou do estresse gerado pela situação de crise, qual a recomendação para que o profissional mantenha a mente descansada e apta para o trabalho?

 

Sim. A carga horária deve ser expressamente seguida com intervalos de descanso preconizados pela legislação. Pode-se pensar que, nesses momentos de crise, diante de um inimigo invisível e letal, o pensamento pode girar em torno dos riscos, dos afazeres, da proteção a entes queridos. O profissional precisa encontrar um espaço “acolhedor” onde possa se expressar e obter orientações para reduzir seu desgaste. Existem técnicas de relaxamento, de meditação, de ginástica laboral. É importante pensar estratégias que ajudem o profissional revigorar suas energias.

Nesse contexto, preciso falar da psicologia: psicólogos bem treinados e com experiência têm ferramentas para ajudar as equipes, para além dos paciente e famílias. Para trabalhar e ajudar com segurança, o profissional também deve ter acesso aos EPIs, pois também enfrenta o desconhecido (a pandemia) e pode adoecer. Nesses últimos dias, essa questão esteve em alta os grupos que participo. Há sofrimento nesses profissionais também, quando eles são cobrados para dar respostas como se pudessem atender sem ter os recursos (EPIs) e informações necessárias para acolher os demais.

 Saúde Mental - Infográfico 1

Qual a recomendação para os profissionais em condição de vulnerabilidade (portadores de doenças crônicas e que residem com idosos ou crianças pequenas)?

 

Prevenção é o que se preconiza no momento. Manter distância preconizada, seguir regras de etiqueta social ao tossir e espirrar, orientar-se pelas recomendações de autoproteção, higienização e uso correto dos EPIs da sua instituição e outras divulgadas pela sua instituição e pelas entidades de saúde pública governamentais. Os profissionais portadores de doenças crônicas, grávidas, de sistema imunológico deficitário, os acima dos 60 anos foram liberados para o trabalho em casa. Devem entender que esse isolamento em domicílio será temporário e é regra de segurança. O cuidado recomendado de higienização do ambiente em casa é o mesmo: janelas abertas, arejamento do ambiente, limpeza geral da casa, superfícies, maçanetas, etc. Enfatizar a higienização das mãos. Lembrar que água e sabão é o principal veículo para o uso em casa.

 

Neste contexto de pandemia, quando o profissional deve procurar a ajuda de psicólogos? Como ele deve procurar essa ajuda?

 

Penso que o profissional que vai trabalhar no campo da saúde precisaria se cuidar ao longo da formação, reconhecendo que haverá limitações em suas ações. Fazer terapia poderá potencializar suas competências. São vários os fatores que podem gerar o adoecimento do profissional de saúde. O suporte institucional, a boa relação entre os colegas, apoio aos mais fragilizados, o estímulo à empatia, ter locais onde ele possa falar dos sentimentos pode ser de grande valia.

No caso da pandemia, quando o profissional sentir-se exausto, fragilizado, vulnerável, com medo e inseguro no que está fazendo a ponto de ter seu sono afetado e o relacionamento familiar prejudicado, com pânico na relação com os doentes, ele precisa de ajuda. É preciso lembrar que esses fatores podem reduzir a sua imunidade. O profissional, nesse caso, pode se beneficiar de uma escuta para suas questões emergentes.

 

E no caso de um profissional que tenha se contaminado com o vírus?

 

Essa é uma pergunta difícil de responder. Esse profissional precisa de acolhimento, ser tratado como cidadão em sua singularidade e ser cuidado. Como ser humano, o medo da morte é incondicional. Ele precisará de suporte para se recuperar. Geralmente, as instituições têm um núcleo de saúde do trabalhador, que deve prever um fluxo para esses casos.

 

Como manter a saúde mental para buscar a saúde física?

 

Em tempos de “guerra” é desenvolver a resiliência! Tudo o que acontece com uma pessoa pode ser usado para ela fugir ou desenvolver competências, habilidades e atitudes. As ações positivas, como manter atividades prazerosas, interação por vídeo com pessoas queridas, reconhecer emoções como algo que nos aproxima, ser solidário, ter com quem contar. Lembrar que somos humanos, seres de relação e o outro é parte de nós. A pandemia está mobilizando o mundo e tudo que o constitui. Penso que a fraternidade, a solidariedade, a gentileza podem ser remédios tão necessários em tempos tão sombrios como nesse momento.

 

Saúde Mental - Infográfico 2

* Tárcia Dutra é Psicóloga Clínica na Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais-Hospital de Pronto Socorro João XXIII: Núcleo de Ensino e Pesquisa e membro do NDAE da Residência Multiprofisssional em Urgência e Emergência/HJXXIIII. Especialista em Psicologia Hospitalar e em Gestão Pública. Coordenadora do Departamento de Psicologia da Somiti e membro da ABRAMEDE. Docente em pós-graduação de Psicologia Hospitalar no IPE da Santa Casa-BH e tutora do curso de Cuidados Paliativos (EAD) da Feluma/Faculdade de Ciências Médicas.

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