Ingeridos para aliviar a fadiga, melhorar o desempenho físico e cognitivo e turbinar a diversão, os energéticos se popularizaram entre jovens e adultos. Pesquisas vêm demonstrando que, por se tratarem de desreguladores endócrinos, essas bebidas afetam as batidas do coração, com riscos de consequências graves. Um novo estudo reforça o alerta. Cientistas da Universidade Europeia de Madri (Espanha), do Hospital Acadêmico de Parma (Itália) e da Texas A&M University (Estados Unidos) constataram que o consumo regular desses produtos por jovens aparentemente saudáveis pode levar à síndrome da morte súbita por arritmia.
Liderada por Fabian Sanchis-Gomar, do Instituto de Pesquisa do Hospital 12 de Outubro, em Madri, a equipe avaliou jovens com 13 anos. Os participantes ingeriram energéticos e foram avaliados durante partidas de futebol. Os cientistas detectaram quadros de fibrilação atrial, quando o ritmo dos batimentos cardíacos se torna rápido e irregular. A situação, porém, é incomum em adolescentes e crianças sem doença cardíaca estrutural.
Diretor do Laboratório de Treinamento e Simulação em Emergências Cardiovasculares do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Sergio Timerman explica que o problema está na alta quantidade de cafeína presente nos energéticos. “Ela aumenta a frequência cardíaca e a pressão arterial, fazendo com que suba a probabilidade de arritmia, ataques cardíacos, crises de pressão arterial” detalha. “As bebidas energéticas são consumidas pelos jovens como um refrigerante. O problema é que elas deixam o metabolismo constantemente acelerado, e isso acaba criando um quadro de estresse propiciando ainda mais arritmias e ataques cardíacos”, completa.
Junta-se ao perigo o fato de nem sempre a porcentagem da substância informada nos rótulos corresponder à realidade. Segundo Timerman, os fabricantes mascaram a cafeína informando apenas a presença de componentes como o guaraná, o ginseng e a taurina, que a contêm em sua composição. O guaranine presente no guaraná, por exemplo, nada mais é do que a cafeína, com concentração cerca de duas vezes maior que a dos grãos de café.
Com álcool
O estudo também alerta que a famosa casadinha — a combinação de energéticos com álcool — pode surtir efeitos ainda mais catastróficos. Isso porque os desreguladores endócrinos, ao deixarem o usuário mais alerta, aumentam o risco de ele beber uma quantidade maior de álcool. O exagero aumenta os efeitos biológicos da cafeína, intensificando, assim, o potencial arritmogênico. “Essa mistura é perigosa por dar uma falsa impressão de que o estado de embriaguez está menor do que ele realmente está, mascarando os sintomas de quem bebe a mistura e possibilitando uma ingestão ainda maior”, explica a nutricionista Erika Reinehr.
A nutricionista esportiva Narayana Ribeiro faz outro alerta: a combinação evita ainda mais que o jovem perceba que está com habilidades comprometidas. “Grande parte do efeito colateral aparece. A pessoa não percebe tão bem que está com a capacidade motora fina debilitada, podendo se sentir apta a dirigir, quando não está”, exemplifica. Segundo a especialista, a toxicidade neurológica do álcool também é potencializada, aumentando a perda de células cerebrais. “Isso é uma bomba que pode levar à morte súbita. Os pais e os médicos devem ser educados para limitar o consumo excessivo ou o abuso de desreguladores endócrinos por seus filhos”, completa Timerman.
Estudo conduzido por pesquisadores da Escola de Medicina Geisel da Dartmouth College, nos Estados Undos, indica que os efeitos do drinque podem também aumentar a vulnerabilidade de adolescentes a comportamentos de risco, como o abuso e a dependência de álcool. Feita com jovens entre 15 e 17 anos, a pesquisa demonstrou que aqueles que consomem a mistura têm quatro vezes mais chances de desenvolver disfunções alcoólicas em comparação aos que bebem apenas álcool. “Esses resultados são preocupantes. É importante destacar que o misto de álcool e energéticos pode sinalizar o desenvolvimento de comportamentos como o consumo abusivo entre os adolescentes”, comentou Jennifer Edmond, uma das autoras, no artigo publicado no The Journal of Pediatrics.
As análises com os 3.342 participantes revelaram ainda que esse grupo está não apenas mais suscetível a bebedeiras, mas apresenta tendências para transtornos de uso de álcool, como dependência e abuso da substância. “Identificar os grupos de risco para o uso de álcool é importante, dado que se trata de uma questão sensível. É possível que os médicos, os pais e os educadores possam abrir diálogos sobre o uso dessa substância com adolescentes, iniciando a discussão sobre o tema das bebidas energéticas”, sugere Edmond.
Lituânia controla vendas
No fim de 2014, a Lituânia tornou-se o primeiro país do mundo a regular sobre o consumo de bebidas energéticas. A nação báltica restringiu a venda dessas substâncias somente para maiores de 18 anos. O controle aplica-se a energéticos não alcoólicos que têm mais de 150mg de cafeína por litro. Quem o desrespeitar corre o risco de pagar multa de até 400 litas (cerca de R$ 450), enquanto os compradores menores de idade terão de pagar até 200 litas (R$ 220).
A decisão do Parlamento foi justificada tendo como base resultados de estudos científicos atestando que o consumo excessivo de cafeína pode levar à dependência e à hiperatividade. Estudo encomendado pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos em 2013 revelou que os jovens são mais propensos a consumir bebidas energéticas do que os adultos, e que 68% dos europeus com 10 a 18 anos ingeriam, na época, a bebida.
Em outubro de 2013, a Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiu que produtos com alto teor de cafeína estão sendo amplamente consumidos por jovens e comercializados de maneira “agressiva” para crianças. À época, especialistas da agência de saúde da Organização das Nações Unidas (ONU) pediram a adoção de regras mais severas, como a “restrição de rotulagem e venda de bebidas energéticas para crianças e adolescentes”. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas não Alcoólicas (Abir), a venda de energéticos teve um crescimento de 325% entre 2006 e 2010, principalmente devido ao aumento do poder de consumo da população e das estratégias de publicidade das empresas no setor.
Para a nutricionista Erika Reinehr, há uma propaganda esportiva que tem aumentado o consumo entre pessoas de todas as idades. “As bebidas energéticas podem afetar idosos, adultos, crianças e adolescentes. Esse marketing está fazendo com que elas sejam usadas por atletas e esportistas, independentemente da idade. Crianças estão tomando energéticos para participar de campeonatos na escola, para fazer provas, para ter disposição em dias de cansaço”, alerta. A especialista explica que a quantidade de cafeína de uma lata de bebida energética é muito mais alta para uma criança, se levados em conta a quantidade da substância e o peso do pequeno consumidor.
“Tomar 100g de cafeína para um adulto de 80kg é bem diferente do que para uma criança de 40kg. É esperado que os sintomas sejam potencializados em crianças, como o aumento da ansiedade, da taquicardia e da falta de ar. Também não se sabe ao certo o que o excesso de consumo de estimulantes pode trazer de danos a crianças e adolescentes, que ainda estão em formação estrutural e hormonal”, afirma.
Fonte: Estado de Minas